Hiper-erotização e valor simbólico do sexo

Estou convencido que esta sociedade global, e refiro-me ao conjunto das sociedades ocidentais, americanizadas e ligadas pelo mercado e por uma mesma cultura de massas, não valoriza suficientemente o sexo. É evidente a exploração imensa que se faz do sexo, a intensa erotização presente na publicidade, o falso valor de uso do desejo sexual. Mas isso, no meu entender, não significa que vivemos numa sociedade preocupada em incentivar-nos a ter mais e melhor sexo. Interessa mais, a quem quer vender produtos, o valor simbólico do sexo que a sua prática. Interessa que um produto fique associado ao sucesso junto do sexo oposto, interessa que um videoclip misture a sedução da música com a sedução sexual, interessa que emagrecer, cuidar da pele, fazer desporto sejam vendidos como forma de ter mais parceiros e não como promoção da saúde. Mas não interessa muito que as pessoas conheçam melhor o seu corpo, se apercebam das suas inibições, tirem mais partido da partilha do prazer. 

Acabamos por viver numa sociedade de contradições. Ao mesmo tempo que tudo é erotizado, carregado do valor simbólico do sexo, ao mesmo tempo que nos tentam vender sexo na publicidade de sabonetes e detergentes, mantêm-se os preconceitos e os moralismos. Não mudou assim tanto a atitude em relação às mulheres que são vistas como "demasiado liberais". Este é um exemplo deste parodoxo. Ao mesmo tempo que nos dizem, na publicidade de um carro, "sexo, sexo, tudo é sexo, carros são sexo, compre o carro, compre o sexo", somos reprovados se depois damos mesmo "demasiada" importância ao sexo. Como sempre, a reprovação é maior no caso das mulheres. Já me aconteceu, com colegas de trabalho, começar a falar sexo, depois de me ver envolvido numa conversa sobre a pornografia. E assim que a coisa passou de um plano simbólico, a falar de como as actrizes pornográficas (e todas as mulheres por associação) gostam de levar com ele, para um plano real, todos se calaram, olhando-me com desconfiança. Uma coisa é repetir banalidades machistas, outra coisa é falar do sexo como se, heresia das heresias, fosse uma coisa quotidiana, de que provavelmente todas as pessoas gostam.

No sexo como na cultura, somos mais consumidores do que outra coisa. Consumimos a música que nos é vendida com uma imagem sexualizada, compramos os produtos que a publicidade vendeu através do sexo implícito,  consumimos os filmes de actores e actrizes que investem muito numa imagem  que atice o desejo, consumimos pornografia e, nos últimos tempos, compramos livros que usam a expressão kama sutra para se revestirem da autoridade de um manual de sexo. Consumimos o tudo o que está à volta do sexo, tudo o que usa o sexo para se vender. Mas, perguntemo-nos, fazemos mais sexo do que há uns anos atrás? Mais, fazemos melhor sexo?

5 comentários :: Hiper-erotização e valor simbólico do sexo

  1. Concordo contigo basicamente em tudo o que escreves, há uma associação perversa entre a sociedade e o consumo ou a sociedade de consumo que nos empurra para a alienação do indivíduo e as suas especificidades; faltará esse estudo sobre se há mais sexo e melhor sexo, deduzo que sim (sou sociologo)pois houve a libertação da mulher que lhe dá o direito a escolher/decidir e isso tem peso, sobre o sexo homossexual parece-me não ter havido alterações mas o assunto ainda é pouco estudado..., quero com isto dizer que há uma relação directa de poder com o prazer/entre poder e prazer. A ideia de sexo está enraizada (ainda) na imagem, no corpo e o sistema capitalista explora isso ao máximo, para terminar: o tempo mais uma vez nos dirá, entretanto vamos à luta e tenhamos esperança na mudança.

    Hugo Ene

  2. Eu não sou sociólogo nem de outra área das ciências humanas, por isso acabo por de me basear na minha própria experiência e em algumas coisas que vou lendo. quando escrevo uma crónica, tento ser credível e fundamentado, mas tudo o que possa escrever tem essa limitação - não domino o assunto, sou apenas uma parte da equação, um actor, não o cientista que pode deduzir a equação.

    Faz todo o sentido o que dizes sobre os avanços quanto à afirmação da mulher. E penso que quanto à homossexualidade, mesmo se continuamos impregnados de preconceitos e fobias, houve uma mudança, que em Portugal parece só muito recentemente estar a começar - a homossexualidade já não é (pelo menos em termos de debate) algo completamente escondido que se finge não existir. Só o facto de estar presente na comunicação social, nas conversas de café, "na rua", faz com que pelo menos as pessoas tenham dificuldade em ignorá-la e fingir que é coisa de meia dúzia de pessoas doentes que vivem na obscuridade. A legitimação legal do casamento, acredito, também será um passo para a legitimação social.

    De qualquer forma, a sociedade ocidental parece-me muito pouco esclarecida em termos de relação com o corpo e a sexualidade. Somos tão cerebrais que nos esquecemos que o sexo acontece no corpo, mesmo sendo a nossa imaginação e a nossa psyché tão determinante. O lado exploratório, o treino (para usar uma palavra feia), a aprendizagem, é algo que muito timidamente levamos para a nossa vida sexual. Quando algo corre mal ou nos convencemos de que correu mal, achamos que precisamos de terapia, ficamos assustados por pensar que não fomos capazes das performances que tomámos como norma. Eu estou muito mais inclinado (com a minha inevitável visão de ocidental que cresceu na cultura judaico-cristã) para atitude de algumas culturas orientais, que encaram o sexo como uma disciplina, como uma arte e uma actividade física que demora a aprender e que nos pode levar longe.

    (cont)

  3. (parte2)

    Penso que, em privado, as pessoas no ocidente sempre souberam obter prazer e satisfação. As primeiras descrições sobre o clitoris, por médicos ocidentais, já têm algumas centenas (escassas) de anos. Cópias de traduções do Jardim das Delícias e do Kama Sutra circulavam em algumas cortes e meios aristocráticos. E, à ocidental, a ignorância que tínhamos sobre o corpo e o sexo era contornada com o protocolo, o jogo, a culpa, as cerimónias da sedução. As mulheres, mesmo desprovidas do poder que os homens não partilhavam, mesmo vistas como um elemento passivo, devem ter tido (as que não se ficavam só pela parte traumática e de submissão passiva e resignada ao domínio do homem) devem ter encontrado formas de se satisfazer. Por mais que houvessem mitos e sentenças sobre a masturbação, é tão fácil descobri-la sozinho ou porque a o enunciado da proibição a revelou, que a devemos praticar desde há milénios. As preversões, os desvios da norma, mesmo a obscenidade e a figura da puta (palavra que diz muito sobre a nossa cultura sexual ocidental) pairando eternamente sobre qualquer mulher que pudesse sucumbir à luxúria, foram manifestações, na minha maneira de ver, da forma como se tentou, ainda assim, tirar algum gozo de uma actividade que a sociedade e o poder queriam reservada para a procriação e sobre a qual colocavam sempre a sombra do pecado.

    Pecado, aliás, é outra palavra bem esclarecedora. A nossa arte (e a publicidade e mesmo os jogos eróticos de cada um com o parceiro) estão cheios desse jogo, "isto é pecado, logo é apetecível; isto é apetecível, logo deve ser pecado".

    Obrigado pelo teu comentário. És bem mais certeiro e sintético do que eu consigo ser. Estou a tentar não alongar demasiado a minha resposta. É que há tanto, no que disseste. Sobre o corpo, para terminar. Penso que vivemos num paradoxo. Parecemos centrados no corpo, mas no fundo, acho que somos centrados sobre uma série de ideias sobre o corpo, uma série de símbolos e representações que usam o corpo como eixo. No fundo, acho que somos demasiado cerebrais, para recorrer de novo à palavra, mais do discurso, do trauma, da análise, do que do físico. E curiosamente, (de novo, é a minha visão das coisas), alguns povos orientais, que parecem ser mais propensos para a alegoria, a metáfora, o esotérico, são mais terra, mais ligados ao físico. Dizem sobre o corpo, funciona assim, para se ter este resultado, deve-se treinar isto, para que funcione bem deve-se fazer isto e isto. E nós somos mais máquinas de discurso sobre o corpo, máquinas de fazer dinheiro sobre o corpo, que não chegam a conhecê-lo muito bem, enquanto coisa inegavelmente física.

    Acho que graças ao teu comentário, já tenho matérias para um ou dois novos textos.

    abraço.

  4. Não sei realmente se fazemos mais ou melhor sexo. tenho estado atenta aos vários estudos que têm vindo a ser feitos, mas ainda aguardo resultados. Não seria fácil estudar estas matérias há uns anos atrás, e agora, com toda a informação a assediar-nos a cada instante, também não facilita o trabalho.
    Há muita coisa que não sei nesta matéria, concordo no entanto com o que dizem e envio um artigo para lançar mais achas na fogueira: http://www.iusw.org/node/69

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