É curioso que tenhas escolhido este tema que foi justamente a base da minha tese de pós-graduação.E é interessante ver as várias abordagens e sobretudo verificar a (muito comum)confusão de conceitos e que mais trabalho me deu em investigação.
A Pornografia é uma expressão repescada no séx.XIX do grego – pornē + graphein - que etimologicamente significa a escrita de ou para as prostitutas. Esta será a definição mais enciclopédica do termo mas também a que menos informação nos dá. Por implicar com vários campos da acção humana (religião, moral, lei, sexualidade, etc) a pornografia tem inúmeras definições, por vezes até contraditórias e que, regra geral, trazem em si uma implícita ou explícita condenação ou suporte da práctica.
Por outro lado, o discurso académico sobre a pornografia tem sido feito sobretudo no campo legal e legislativo.
Se o mundo cultural e intelectual querem mostrar abertamente o que durante séculos foi escondido, o mundo judicial e político tentam criam novas restrições. Mas mais do que uma questão de censura, trata-se de um problema relacionado com a política do corpo, ou melhor, com a biopolítica. Foi Foucault quem definiu alguns dos principais conceitos respeitantes à biopolítica mostrando as dimensões micropolíticas do poder, as suas suas hierarquias, a serialização dos indivíduos nos limites de cada instituição ligada ao panopticon que nos ajudam a perceber a forma como o poder cerce as nossas manifestações pessoais e como a loucura pode ser instrumento de liberdade. Agamben preocupou-se com a ontologia da política na sua relação com o espaço originário, nas suas relações básicas de poder e no seu papel na determinação fundamental da existência, adiantando os conceitos de estado de excepção e vida nua. O estado de excepção, que é proclamado pelo poder soberano de forma a suspender a validade da lei está a tornar-se na regra onde a dicotomia fundamental da dominação do poder absoluto e da vida nua deve ser entendida . Então,
«Até o conceito de “corpo” [...], já está desde sempre preso num dispositivo, ou melhor, é desde sempre corpo biopolítico e vida nua, e nada, nele ou na economia do seu prazer, parece oferecer-nos um terreno firme contra as pretensões do soberano.»
Contudo, Agamben não indica nenhuma possibilidade de o homo sacer limitar o poder soberano. Uma vez que - como demonstrou Deleuze - o poder é pensado numa relação entre o desejo e o interesse, a resposta possível estará na exaltação do desejo. Roger Bruegel – o comissário da última Documenta - acrescenta:
«[…] as in sexuality, absolute exposure is intricately connected with infinite pleasure. There is an apocalyptic and obviously political dimension to bare life […]. There is, however, also a lyrical or even ecstatic dimension to it – a freedom for new and unexpected possibilities […].»
A censura existe justamente pelo receio da força das imagens na mobilização dos nossos sentidos. Uma imagem vista como capaz de provocar desejo sexual, torna-se ofensiva e será necessariamente regulada, ou seja, terá acesso restrito ou será censurada. Entra no campo do interdito:
« Interdito indica uma ação intentada com o fim de proteção e caracterizada por um preceito proibitório, como o impedimento do uso, a fruição de bens ou o obstáculo ao acesso a lugares ou a coisas considerados sagrados ou puros.»(Mauro Koury, «Fotografia e Interdito»)
A exaltação do desejo tem que ser pensada dentro do quadro mental do pornográfico entendido como uma campo semântico tal como o poético, o fotográfico ou o cinematográfico. O pornográfico tem de ser aceite enquanto campo de largo espectro que engloba e imbui os conceitos de erótico, obsceno e interdito. Uma vez que as fronteiras e idiossincrasias deste últimos conceitos negam-se a uma classificação precisa: o que para uns é erótico, obsceno ou interdito, para outros é pornográfico e para outros ainda, emético ou anódino. Como mostrou David Freedberg:
«It might also be desirable to establish a distinction between erotic and pornographic, or at least to devise a sliding scale, beginning with a work that presents the nude cold, at it were, the passing to something that more blatantly suggests sexuality, and terminating with the representation of the sexual act itself. […Contudo…] The erotic-pornographic distinction may only be semantically real (and intersubjectively variable) […] it is not uncommon to find that the suggestive turns out to be more provocative than the blatantly descriptive.» (The Power of Images»)
Assim interessa sobretudo perceber a evolução das mentalidades na compreensão do que é o pornográfico pelo entendimento que se fez do que é a pornografia uma vez que «What is called pornographic remains wholly contextual; there can be no hope of deriving the term transcontextually or on anything remotely approaching a transcultural base.»
Na minha tese preocupei-me sobretudo com «O entendimento do pornográfico na arte contemporânea» na obra de artistas como Cindy Sherman, Mapplethorpe, Jeff Koons entre outros.
Falta de tempo e oportunidade impediu-me de poder incluir o teu trabalho. Talvez quando passar a tese de Doutoramento.
[ comentário originalmente dirigido ao Rogério Nuno Costa ]
«[…] as in sexuality, absolute exposure is intricately connected with infinite pleasure. […]. There is, however, also a lyrical or even ecstatic dimension to it – a freedom for new and unexpected possibilities […].»
Aqui está um ponto que me interessa focar - a necessidade de exposição absoluta e a sua ligação íntima com o prazer - será que esse prazer é alcançado do mesmo modo quando não se pensa o sexo "pornograficamente", no sentido de ser restrito e obsceno? Será que o sexo é necessariamente melhor quando não existem tabus nem restrições? Até que ponto é que os condicionamentos não tornam o processo mais apetecível?
A educação sexual (ou a falta dela) é determinante na forma como se vive o prazer. Se por um lado existia antes a dificuldade em encontrar informação por ser escassa, hoje em dia o problema é o excesso que tem de ser filtrado até se encontrar fontes credíveis.
Agora fiquei com imensa curiosidade em conhecer a tal tese... é no que dá andar a escavar temas empolgantes. Nunca se encontra o fundo. E ainda bem!
carpe vitam!
6 de novembro de 2008 às 21:22se não tivessemos as restrições que temos, haveria outros limites a transpôr.
não precisamos do moralismo e dos preconceitos para tornar as coisas apetecíveis.
hei-de escrever aqui sobre o pecado. acho uma patetice (que resulta, no entanto, o que só me deixa mais irritado) coisas como, na publicidade, "é tão bom que deve ser pecado". o prazer, a assunção livre do prazer deve emancipar-se (e o processo de emancipação, em si, é apetecível e interessante) dos moralismos - e não elegê-los como delicatessen, como iguarias, que só são boas porque proibidas.
no fundo, os limites a transpôr são sempre pessoais. o que para uns é banalíssimo, para outros implica um séria confronto com medos interiores. são esses limites que interessa transpor e perceber. e não os externos. crescer é perceber o que é de fora e o que é de dentro. é despir.
anarresti
6 de novembro de 2008 às 23:08claro, esses limites existem sempre e a sua transposição dá imenso gozo.
carpe vitam!
7 de novembro de 2008 às 10:04«Será que esse prazer é alcançado do mesmo modo quando não se pensa o sexo "pornograficamente", no sentido de ser restrito e obsceno?»
Parece-me haver aqui conceitos misturados: o de sexo e o de representação, em primeiro lugar; e o de restrito e de obsceno, em segundo.
Assim:
O sexo pode ter uma exposição absoluta entre os indivíduos que o praticam e os que o observam. Aqui podemos apenas destingir esfera privada de esfera pública: a exposição consensual (de uma orgia) ou não-consensual (de uma exibição pública).
Contudo a exposição só se torna representação se for passada para um suporte visual (fotografia, pintura, cinema, etc.) ou escrito.
Entramos agora no segundo campo o da restrição e da obscenidade. A restrição (ou interdição)está ligada sobretudo às questões legais enquanto que o da obscenidade parece estar mais ligado às questões morais.
Falta então saber se quando pergunta se se pode alcançar o mesmo prazer sem se pensar o sexo pornograficamente, se se refere ao acto em si ou à representação desse acto.
Anónimo
8 de novembro de 2008 às 16:30carpe vitam!
8 de novembro de 2008 às 19:29Gracias pela clarificação dos conceitos, mas eu estava mesmo a referir-me a ambos, ao acto em si e à sua representação, à questão moral e à questão legal.
carpe vitam!
8 de novembro de 2008 às 19:30Fantastico blog é muito esclarecedor felicidade
Anónimo
17 de novembro de 2008 às 09:57obrigado, naturline e mi miembro :D
anarresti
17 de novembro de 2008 às 10:13