Eu tinha 10, 11 anos quando finalmente percebi como se faziam os bebés. Foi numa aula de Ciências da Natureza, por volta de 1986, e lembro-me perfeitamente do professor. Tinha cerca de 40 anos, um metro e noventa e muitos, muito pouco cabelo, apenas uma amostra de cada lado da cabeça, acima das orelhas. Tinha um ar bondoso e ingénuo, acentuado pelo hábito de andar de costas curvadas - talvez para amenizar o efeito da sua altura. Era magro e tinha óculos graduados de armação grossa e escura. Lembro-me bem do professor, e sempre que penso nele, lembro-me também do cartaz com o desenho de um homem, com os órgãos internos em destaque e ao lado figura semelhante representando a anatomia de uma mulher. Havia ainda outro cartaz com a representação de uma nave espacial mais ou menos triangular com duas antenas (ou asas) de cada lado - depois o professor disse que a nave espacial afinal era o aparelho reprodutor feminino. E, neste caso sem hipótese de confusão, uma pilinha, mas em grande, e com canais e outras coisas visíveis numa transparência em camadas.
O professor deve ter perguntado se havia dúvidas, como era hábito depois de explicar algo numa aula. E eu não tinha. Tinha deixado de ter, e imagino que a boca e os olhos, muito abertos e atónitos, provavelmente denunciavam quão recente era a minha descoberta. Uma frase ecoava na minha cabeça, "afinal é mesmo assim". Não era, de forma alguma, a primeira vez que eu tinha ouvido falar de enfiar pilinhas em pipis, de introduzir pénis em vaginas ou, como era comum escutar no recreio, enterrar caralhos em conas. Muitas anedotas, "piropos", más-línguas se referiam a esta prática tão estranha. Mas eu pensava que dizer "se te apanho a jeito enterro-te o caralho nessa cona" era uma espécie de ameaça de um castigo, como quem dissesse, "se te apanho, bato na tua cabeça com um ferro". Na minha cabeça de miúdo que não dizia mas ouvia muitas asneiras, todo o vernáculo à volta dos genitais tinha ou uma função escatológica - dava jeito para enfatizar o discurso anedótico - ou era veículo para se manifestar agressividade ou uma forma de difamar determinada rapariga. Lembro-me perfeitamente de um colega, num dia de chuva, chegar à entrada do pavilhão onde ficava a sala da aula seguinte. Vinha a segurar um guarda-chuva e de braço dado à N., a minha paixão da altura. Ela deve-lhe ter contado que eu a tinha pedido em namoro e que ela recusou. Esse meu colega, com o seu habitual ar trocista e autoritário de miúdo mais velho dois anos, virou-se para mim, com a atitude de quem vai contar uma anedota em que o interlocutor é também o protagonista. "Sabes onde estive com a N.? Estive nas escadas do prédio. E sabes o que lhe estive a fazer? Estive a enterrar", e fez um gesto com o braço, de punho fechado, para a frente e para trás. "Sabes o que é enterrar?". Não é que eu fosse um perito, mas percebi que ele estava a falar de enfiar a pilinha dele no pipi dela, quer dizer, a enterrar o caralho na cona.
Depois da aula, voltei a pensar neste episódio. Voltei a pensar que não poderia competir com um rapaz mais velho e sabido como ele. Se ela tinha mais um ano que eu e ele mais um ano que ela, era só fazer as contas. Pensei também na atitude dela, enquanto ele se dirigia a mim. Ela não encorajou a minha humilhação de rejeitado e desajeitado, mas, por outro lado, também não se mostrou humilhada. E ao rever rostos e frases na minha recordação, concluí "pois, afinal ele não me queria dizer que tinha feito uma coisa má à N., provavelmente ela gostou".
Uma parte da minha iniciação sexual (a parte de saber o essencial da teoria) deu-se por via do vernáculo. Foi a linguagem dos meus colegas, obscena e sôfrega, violenta e galhofeira, que me baptizou. E o professor de Ciências da Natureza confirmou-me, no crisma do conhecimento de como as pilinhas e os pipis afinal foram feitos uns para os outros.
Três crianças com meia dúzia de anos encostadas à parede. Iô-iô do México 86 com a mascote do sombrero. Camisolas de manga curta (porque naquele tempo ainda não se dizia t-shirt). Cochichavam de cócoras entre risadas:
- “Fudar”?! Os meus pais tiveram de fazer isso para eu nascer?!! Não acredito!
- Não é “fudar”, é foder!
- Blherrrrg!
carpe vitam!
19 de fevereiro de 2009 às 17:06:D na altura, mesmo quando percebi que era assim que se tinha de fazer para nascerem os bebés passados 9 meses, mesmo sabendo que a ciência afirmava que era assim, não me parecia nada boa ideia. parecia-me uma nojice. e, embora eu passasse a ficar muito curioso sobre o assunto, era com alguma reserva de repugnância.
anarresti
19 de fevereiro de 2009 às 17:13Claro que me lembro das aulas de ciências do ciclo em que se falava no assunto. E da vontade de rir que me davam. O que eu tinha de me controlar, com a cabra da minha colega do lado a rir desalmadamente com o dossier à frente da cara para o professor não ver, enquanto ele me perguntava o que era a menstruação... depois outra que estava a passar os apontamentos do quadro, vira-se para o prof. e pergunta: "stôr, aquilo ali é pénis?" Impossível não rebentar a rir.
Se me perguntares por que tinha tanta piada, eu não sei dizer. Não era hábito usar esses termos, pronunciá-los era para mim embaraçoso porque nunca tinha tido educação sexual, mas ao mesmo tempo era muito engraçado.
Tinha 7 anos quando descobri que o nome "verdadeiro" para pipi era vagina. E soou-me verdadeiramente estranho...
carpe vitam!
19 de fevereiro de 2009 às 17:16