«Em meio a um ambiente conturbado, repleto de privações, a sexualidade a bordo das naus lusitanas era encarada como um tabu e, paradoxalmente, ao mesmo tempo, com uma liberdade quase nunca observada no reino.
Enquanto em terra havia um tabu com relação à nudez do corpo, entre os homens do mar, habituados à nudez dos nativos das terras descobertas e à sua forma de encarar o sexo mais livremente, a sexualidade era quase libertina.
Nos navios, o ato sexual era quase sempre uma prática coletiva, com ausência de parceiros fixos e o compartilhamento de objectos sexuais. Práticas consideradas mesmo nos nossos tempos promíscuas eram corriqueiras nas embarcações. Por vezes as mulheres disponíveis eram duplamente penetradas, enquanto forçadas a praticarem sexo oral e a manusearem, em cada uma das mãos, as genitálias de outros homens, servindo, sexualmente, cinco deles ao mesmo tempo. Ao redor, outros se masturbavam ou praticavam sexo entre si, aguardando sua vez de participar no bacanal.
Quando não havia mulheres a bordo, os pobres dos grumetes terminavam servindo sexualmente à marujada, integrados ao sexo grupal. Se a Inquisição caçava os adeptos do homossexualismo em terra, no mar procurava ser mais branda, uma vez que a falta de mulheres a bordo justificava, a seus olhos, os atos de sodomia.
Em terra firme, a Inquisição em Portugal queimava os implicados em atos homossexuais, mas apenas quando reincidentes. Assim, os estrangeiros diziam que a Inquisição em Portugal era muito branda se comparada com a atuante na França, na Suíssa e na Alemanha, onde se queimavam sodomitas sem remissão.
De fato, muitos eclesiásticos defendiam a isenção de penas para os praticantes de sodomia, ou, pelo menos, que eles não tivessem castigo tão severo. A motivação de defesa era conhecida de todos e tema de piada entre os estrangeiros: os religiosos lusitanos, mesmo os inquisidores, tinham fama de homossexuais ativos. Em certas casas eclesiásticas, onde os jovens aprendiam as ciências e a piedade, eram também iniciados em práticas sexuais homoeróticas, chamadas "relaxações", inspiradas no modelo grego que pregava que o verdadeiro amor só podia ser desenvolvido entre pessoas do mesmo sexo, com um homem mais velho conduzindo um jovem pelos prazeres da carne.
[...]
A raridade de mulheres nos navios levava a maioria dos embarcados a satisfazer o seu desejo sexual com outros homens. Tais relações, muitas vezes, realizavam-se pela força bruta (posse forçada do corpo dos mais fracos) ou pelo peso das hierarquias, que obrigava os mais humildes a satisfazer as necessidades dos seus superiores.
Dentro desse contexto, os grumetes, na hierarquia abaixo dos marinheiros, eram muito visados, a despeito de serem crianças entre os 9 e os 16 anos. Dada a fragilidade infantil, incapaz de conter os assédios, [...] eram estrupados com violência e, por medo ou vergonha, dificilmente se queixavam aos oficiais, até porque, muitas vezes, eram os próprios oficiais que praticavam ou permitiam tal violência.
Em suma, imperava a lei e a moral do mais forte.
[...]
A prática sexual do estupro coletivo de uma mulher ou de um garoto por grupos de marinheiros ou soldados não era exacrável na época sendo dificilmente punida pelas autoridades de dentro ou mesmo de fora dos navios.»
Enquanto em terra havia um tabu com relação à nudez do corpo, entre os homens do mar, habituados à nudez dos nativos das terras descobertas e à sua forma de encarar o sexo mais livremente, a sexualidade era quase libertina.
Nos navios, o ato sexual era quase sempre uma prática coletiva, com ausência de parceiros fixos e o compartilhamento de objectos sexuais. Práticas consideradas mesmo nos nossos tempos promíscuas eram corriqueiras nas embarcações. Por vezes as mulheres disponíveis eram duplamente penetradas, enquanto forçadas a praticarem sexo oral e a manusearem, em cada uma das mãos, as genitálias de outros homens, servindo, sexualmente, cinco deles ao mesmo tempo. Ao redor, outros se masturbavam ou praticavam sexo entre si, aguardando sua vez de participar no bacanal.
Quando não havia mulheres a bordo, os pobres dos grumetes terminavam servindo sexualmente à marujada, integrados ao sexo grupal. Se a Inquisição caçava os adeptos do homossexualismo em terra, no mar procurava ser mais branda, uma vez que a falta de mulheres a bordo justificava, a seus olhos, os atos de sodomia.
Em terra firme, a Inquisição em Portugal queimava os implicados em atos homossexuais, mas apenas quando reincidentes. Assim, os estrangeiros diziam que a Inquisição em Portugal era muito branda se comparada com a atuante na França, na Suíssa e na Alemanha, onde se queimavam sodomitas sem remissão.
De fato, muitos eclesiásticos defendiam a isenção de penas para os praticantes de sodomia, ou, pelo menos, que eles não tivessem castigo tão severo. A motivação de defesa era conhecida de todos e tema de piada entre os estrangeiros: os religiosos lusitanos, mesmo os inquisidores, tinham fama de homossexuais ativos. Em certas casas eclesiásticas, onde os jovens aprendiam as ciências e a piedade, eram também iniciados em práticas sexuais homoeróticas, chamadas "relaxações", inspiradas no modelo grego que pregava que o verdadeiro amor só podia ser desenvolvido entre pessoas do mesmo sexo, com um homem mais velho conduzindo um jovem pelos prazeres da carne.
[...]
A raridade de mulheres nos navios levava a maioria dos embarcados a satisfazer o seu desejo sexual com outros homens. Tais relações, muitas vezes, realizavam-se pela força bruta (posse forçada do corpo dos mais fracos) ou pelo peso das hierarquias, que obrigava os mais humildes a satisfazer as necessidades dos seus superiores.
Dentro desse contexto, os grumetes, na hierarquia abaixo dos marinheiros, eram muito visados, a despeito de serem crianças entre os 9 e os 16 anos. Dada a fragilidade infantil, incapaz de conter os assédios, [...] eram estrupados com violência e, por medo ou vergonha, dificilmente se queixavam aos oficiais, até porque, muitas vezes, eram os próprios oficiais que praticavam ou permitiam tal violência.
Em suma, imperava a lei e a moral do mais forte.
[...]
A prática sexual do estupro coletivo de uma mulher ou de um garoto por grupos de marinheiros ou soldados não era exacrável na época sendo dificilmente punida pelas autoridades de dentro ou mesmo de fora dos navios.»
Excerto de «Por Mares nunca dantes navegados: a aventura dos Descobrimentos» de Fábio Pestana Ramos (editora Contexto, p.p. 105-106)
Pese embora seja um dos primeiros trabalhos académicos a se debruçar (parcialmente) sobre a história da sexualidade a bordo dos navios na época dos Descobrimentos portugueses, esta obra mostra, flagrantemente, a dificuldade de tal tarefa.
Esquecendo o mau português e a frágil estrutura deste livro, é gritante a forma como autor se esquece de fazer uma crítica das fontes e uma distanciação que lhe permita perceber que, no que se refere à sexualidade, a maioria dos textos da época têm uma segunda leitura. Ou seja, quando autores estrangeiros escrevem sobre a suposta homossexualidade dos padres portugueses - por exemplo - têm uma intenção política e não antropológica.
Para mais o autor brasileiro incorre num dos maiores pecados que se podem cometer no estudo da História: atribui sentimentos e quadros mentais contemporâneos a uma época onde não existiam. Como Michel Foucault mostrou não se pode falar de homossexualidade antes do séc. XIX; expressões como pederastia, sodomia ou homossexualidade têm que ser usadas com um maior rigor científico não podendo servir de sinónimos e tendo sempre em atenção a época a que reportam. O mesmo acontece com os termos «estupro», «bacanal» ou mesmo «nudez».
Ainda assim -e apenas à falta de melhor - merece uma leitura.
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Esquecendo o mau português e a frágil estrutura deste livro, é gritante a forma como autor se esquece de fazer uma crítica das fontes e uma distanciação que lhe permita perceber que, no que se refere à sexualidade, a maioria dos textos da época têm uma segunda leitura. Ou seja, quando autores estrangeiros escrevem sobre a suposta homossexualidade dos padres portugueses - por exemplo - têm uma intenção política e não antropológica.
Para mais o autor brasileiro incorre num dos maiores pecados que se podem cometer no estudo da História: atribui sentimentos e quadros mentais contemporâneos a uma época onde não existiam. Como Michel Foucault mostrou não se pode falar de homossexualidade antes do séc. XIX; expressões como pederastia, sodomia ou homossexualidade têm que ser usadas com um maior rigor científico não podendo servir de sinónimos e tendo sempre em atenção a época a que reportam. O mesmo acontece com os termos «estupro», «bacanal» ou mesmo «nudez».
Ainda assim -e apenas à falta de melhor - merece uma leitura.